Archive for Fevereiro, 2004

Notícias de tragédias particulares

Foi-se o tempo em que as famílias se reuniam em torno de uma mesa de jantar para conversar sobre política, economia, esportes e futilidades em geral.

Este primitivo costume, próprio do período pré-televisivo, foi gradativamente substituído por uma reverenciosa audiência do integrante mais persuasivo da família: o apresentador de TV. As conversas tornaram-se dispensáveis e se transformaram em breves comentários sobre os fatos narrados com duvidosa imparcialidade pelos dublês da onisciência divina.

Não bastasse informar, a televisão também divertia, poupando a todos da dura tarefa física de ler um livro, virar páginas, imaginar cenários e outras tão ou mais desgastantes.

A TV consolidou-se assim como uma presença sempre muito bem-vinda em nosso lar, pois possuía duas qualidades inestimáveis: informava e divertia.

Não demorou muito para que alguém tivesse a “fantástica” idéia (as aspas são inevitáveis) de unir as duas funções da TV, buscando trazer ao telespectador o que poderíamos chamar de uma informação divertida.

Aos poucos, o jornalismo-farsante involuiu e se tornou um jornalismo-trágico, numa versão ao avesso do postulado de Marx de que a tragédia precede a farsa.

O fantástico mundo da vida foi substituído por notícias de tragédias particulares.

Ratinho, Datena, João Kleber, Gugu e inúmeros outros justiceiros televisivos representam a antítese de tudo o que se poderia esperar de um programa razoável de TV, pois não informam e nem divertem, ainda que paradoxalmente garantam significativos índices de audiência.

A informação televisiva que deveria fundar-se num mínimo interesse público cede espaço a tragédias particulares cujo interesse limitar-se-ia a seus até então anônimos personagens, não fosse o sadismo doentio de telespectadores cujo entretenimento diário é assistir a dramas privados expostos em rede nacional de televisão.

Crimes bárbaros, em sua maioria absolutamente distantes da realidade do telespectador e improváveis de serem vivenciados por ele, longe de informarem sobre a real situação da segurança pública nacional são apresentados como exemplos dos limites da perversidade humana, num misto de reality show e filme policial de quinta categoria.

A função social da televisão, enquanto concessão pública estatal, prevista nos artigos 221 e seguintes da Constituição Federal, que em tese seria a de informar e entreter, cede espaço a sua função no sistema capitalista: vender ilusões.

Ilusão de informação quando oferece notícias privadas ao custo da alienação das questões de real interesse público; ilusão de entretenimento quando oferece o terror da criminalidade à custa de demônios particulares e, finalmente, ilusão de status quando oferece a todos sonhos de consumo acessíveis a poucos.

Não se discute desemprego, educação, saúde e outras questões sociais, pois tais temas talvez fossem um desestímulo ao telespectador a se tornar consumidor dos patrocinadores televisivos.

Àqueles que, convencidos pelos anúncios, estiverem dispostos a furtar, roubar e matar para adquiri-los reserva-se espaço no cárcere, para os que forem discretos, e nos programas televisivos para os que praticarem seus crimes com requintes de crueldade, passando de consumidores frustrados a anti-heróis nacionais.

Enquanto isso, em casa, a família brasileira se reúne em torno da televisão para consumir os produtos dos comerciais e, principalmente, para consumir mais e mais o medo do bandido da TV.

Afinal, nestes tempos de violência, é muito arriscado sair às ruas, ir ao teatro ou ao cinema. Seguro mesmo é ficar em casa e assistir na TV a novas e assustadoras notícias de tragédias particulares.

Também publicado em: Observatório da Imprensa e Caros Amigos.

Fevereiro 17, 2004 at 9:30 pm 1 comentário

Da séria série: a era do controle.

Brilhante este texto!

Telefonista: – Pizza Hot, Bom dia.
– Bom dia, quero encomendar uma pizza .
– Pode me dar o seu NIDN ?
– Com certeza. O meu número de identificação nacional é 6102049998 45.
– Muito obrigada Sr. Júlio Mendonçaa. Gostaria de confirmar os dados do Sr. Seu endereço residencial é Alameda das Petúnias, 1742 e o seu telefone é 494-2366, o seu número no escritório da WD Advogados é o 745-2302 e o seu portátil é 266-2566. De que número o Sr ligou?
– Eu? Estou em casa. Onde foi buscar essas informações todas?
– Nós estamos ligados em rede ao Sistema.
– Ah sim! Eu queria encomendar duas pizzas com extra queijo e camarão…
– Isso pode não ser boa idéia.
– Desculpe?
– Consta na sua ficha médica que sofre de hipertensão e que seu nível de colesterol está muito alto, além disso o seu seguro de vida desaconselha vivamente escolhas perigosas para a sua saúde.
– Você tem razão! E o que me sugere?
– Por quê que não experimenta a nossa pizza Light com iogurte de soja, tenho a certeza que vai adorar.
– Como é que sabe que vou adorar??
– O Sr. consultou o site “Recette Gourmandes au Soja” na biblioteca municipal dia 15/01 às 14h32 onde permaneceu ligado à rede durante 36 minutos, daí a minha sugestão.
– Está bem. Mande-me duas pizzas tamanho GG, quanto é?
– É a escolha certa para o Sr., a sua esposa e seus 4 filhos. São $49,99.
– Você precisa do número do meu cartão de crédito?
– Lamento, mas o Sr. terá que pagar em dinheiro. O limite do seu cartão de crédito já foi ultrapassado.
– Não faz mal. Eu vou ao multibanco sacar o dinheiro antes que chegue a pizza.
– Duvido que o Sr. consiga. A conta está negativa.
– Meta-se na sua vida… Mande-me as pizzas que eu arranjo o dinheiro. Em quanto tempo entregam?
– Estamos um pouco atrasados. Daqui a 45 minutos serão entregues. Se estiver com muita pressa pode vir buscá-las, só que transportar duas pizzas de moto não é aconselhável além de ser perigoso…
– Mas que raio de história é esta, como é que sabe que tenho uma moto?
– Peço desculpas, apenas reparei que não havia pagado as prestações do carro e que ele foi penhorado. Mas a sua moto está quitada. Daí pensei que o Sr. pudesse utilizá-la.
– @ * # % / $ @ & ? # !!!!
– Agradeço que o Sr. não me insulte… não se esqueça que já foi condenado em Julho de 2009 por Insulto a agente na via pública…
(Silêncio)
– Mais alguma coisa?
– Não, é tudo… Espere! Não se esqueça da Coca Cola de 2 litros a que tenho direito na promoção!
– Peço desculpas, mas o regulamento da nossa promoção descrito no Art.3/12 proíbe-nos de enviar bebidas com açúcar a pessoas diabéticas…

TEXTO ORIGINIAL EM INGLÊS (autoria da tradução desconhecida): http://politicalhumor.about.com/library/jokes/bljokebigbrotherpizza.htm

Fevereiro 17, 2004 at 12:18 pm 3 comentários

I Congresso Internacional de Direito Eletrônico

Já estão abertas as pré-inscrições para o I Congresso Internacional de Direito Eletrônico. Visite o site oficial do evento para maiores detalhes.

Fevereiro 17, 2004 at 10:17 am